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sexta-feira, 9 de julho de 2010


Um prédio elegante no centro de Paris; uma desconfiada zeladora de meia-idade, fã de Tolstoi e do Oriente; uma garota cáustica,às turras com a família; um senhor japonês sorridente e misterioso. Com esses ingredientes díspares,Muriel Barbery fez do romance A elegância do ouriço a boa surpresa literária de 2006 na França, onde vendeu mais de 850 mil exemplares. À primeira vista, não se nota grande movimento no número 7 da Rue de Grenelle: o endereço é chique, e os moradores são gente rica e tradicional. Para ingressar no prédio e poder conhecer seus personagens, com suas manias e segredos, será preciso infiltrar um agente ou uma agente ou por que não? duas agentes. É justamente o que faz Muriel Barbery em A elegância do ouriço, seu segundo romance. Para começar, dando voz a Renée, que parece ser a zeladora por excelência: baixota, ranzinza e sempre pronta a bater a porta na cara de alguém. Na verdade, uma observadora refinada, ora terna, ora ácida, e um personagem complexo, que apaga as pegadas para que ninguém adivinhe o que guarda na toca: um amor extremado às letras e às artes, sem as nódoas de classe e de esnobismo que mancham o perfil dos seus muitos patrões. E ainda há Paloma, a caçula da família Josse. O pai é um figurão da política, a mãe dondoca tem doutorado em letras, a irmã mais velha jura que é filósofa, mas Paloma conhece bem demais o verso e o reverso da vida familiar para engolir a história oficial. Tanto que se impõe um desafio terrível: ou descobre algum sentido para a vida, ou comete suicídio (seguido de incêndio) no seu aniversário de treze anos. Enquanto a data não chega, mantém duas séries de anotações pessoais e filosóficas: os Pensamentos profundos e o Diário do movimento do mundo, crônicas de suas experiências íntimas e também da vida no prédio. As vozes da garota e da zeladora, primeiro paralelas, depois entrelaçadas, vão desenhando uma espiral em que se misturam argumentos filosóficos, instantes de revelação estética, birras de classe e maldades adolescentes, poemas orientais e filmes blockbuster. As duas filósofas, Renée e Paloma, estão inteiramente entregues a esse ímpeto satírico e devastador, quando chega de mudança o bem-humorado Kakuro Ozu, senhor japonês com nome de cineasta que, sem alarde, saberá salvá-las tanto da mediocridade geral como dos próprios espinhos.

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