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quarta-feira, 24 de junho de 2009

Entre silêncios e diálogos


Havia uma desconfiança: o mundo não terminava onde céus e montanhas se encontravam. A extensão do meu olhar não podia determinar a exata dimensão das coisas. Havia o depois. Havia o lugar do sol se aninhar enquanto a noite se fazia. Havia um abrigo para a lua enquanto era dia. E o meu coração de menino se afogava em desesperança. Eu não era marinheiro nem pássaro - sem barco e asa.

Um dia aprendi com Lili a decifrar as letras e suas somas. E a palavra se mostrou como caminho poderoso para encurtar distância, para alcançar onde só a fantasia suspeitava, para permitir silêncio e diálogo. Com as palavras eu ultrapassava a linha do horizonte. E o meu coração de menino se afagava em esperança.

Ao virar a página do livro, eu dobrava uma esquina, escalava uma montanha, transpunha uma maré.

Ao passar uma folha, eu freqüentava o fundo dos oceanos, transpirava em desertos para, em seguida, me fazer hóspede de outros corações.

Pela leitura temperei a minha pátria, chorei sua miséria, provei da minha família, bebi da minha cidade, enquanto, pacientemente, degustei dos meus desejos e limites.

Assim, o livro passou a ser o meu porto, a minha porta, o meu cais, a minha rota. Pelo livro soube da história e criei os avessos, soube do homem e seus disfarces, soube das várias faces e dos tantos lugares de se olhar. No livro soube do Gênesis e no livro leio novos testamentos do percurso. Ler é aventurar-se pelo universo inteiro.

(Bartolomeu Campos Queirós - Revista Amae Educando nº 210, abril/90 - p. 14)

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