Páginas

quarta-feira, 24 de junho de 2009

A Barca de Gleyre


"... Há uma coleção do Journal des Voyages que foi o meu encanto em menino. Cada vez que naquele tempo me pilhava na biblioteca do meu avô, abria um daqueles volumes e me deslumbrava. Coisas horríveis, mas muito bem desenhadas - do tempo da gravura em madeira. Cenas de índios sioux escalpando colonos. E negros achantis de compridas lanças, avançando contra o inimigo numa gritaria.
Eu ouvia os gritos... E coisas horrorosas da Índia. Viúvas na fogueira. Elefantes esmagando sob as patas a cabeça de condenados. E tigres agarrados à tromba de elefantes. E índios da Terra do Fogo, horríveis, a comerem lagartixas vivas. E eu via a lagartixa bulir... E tragédias do centro da Ásia e lá das Guianas. O rio Orinoco me impressionava muito. Eram os romances de aventuras de Gustave Aimard e Mayne Reid. Certa vez encontrei naquela biblioteca um álbum de fotografias que me tumultuaram o sangue: só mulheres nuas!... Mas não eram mulheres nuas, Rangel: eram nus de Salon. Eu não sabia distinguir. Também encontrei lá todas as obras de Spencer. Essa biblioteca, pela maior parte, fora dum filho de meu avô que depois de formar-se em São Paulo deu de correr mundo..."
(A Barca de Gleyre, cartas de Monteiro Lobato a Godofredo Rangel)

Nenhum comentário:

Postar um comentário